História e memória: releitura epistemológica do passado de África em contexto pós-colonial (aberta)

 

Editores: João Pedro Lourenço (Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda), Maria da Conceição Neto (Universidade Agostinho Neto)

 

Os extraordinários avanços da historiografia sobre África e em África nos anos 60 e 70 do século vinte, correndo paralelamente à contestação e ao fim dos impérios coloniais, não foram acompanhados por um ritmo equivalente de transformação do ensino da história nos países africanos, quanto a teorias, métodos e organização de conteúdos a transmitir. Passadas várias décadas, mantém-se a distância entre o esforço "descolonizador" na produção historiográfica, com algum sucesso, e o modo como a história é ensinada aos jovens africanos, reflectindo ainda uma visão eurocêntrica da história da humanidade, seja na periodização ou na selecção dos temas mais relevantes. No geral, a história da África continua a ser estudada de forma fragmentada, com pouco destaque para as suas conexões com a história mundial, na qual só aparece plenamente integrada com (em consequência de) a expansão europeia e a posterior colonização. Apesar da já clássica referência ao continente como "berço da humanidade", são ainda correntes narrativas que não têm em conta a profundidade temporal da história africana, a sua relação milenar com outros espaços e a diversidade de situações históricas antes, durante e depois da exploração colonial europeia. Igualmente prevalecem periodizações inadequadas e eurocêntricas, seja para a história mundial (a já muito criticada divisão das quatro "Idades") ou para a história da África (um "período pré-colonial" para milénios de história). Os louváveis esforços da UNESCO foram importantes mas insuficientes para vencer a dependência africana em relação ao exterior (sobretudo dos antigos países colonizadores) no que se refere à produção de conteúdos didácticos e de meios de ensino da história, do nível básico ao nível universitário.

É importante conhecer melhor o que se passa em diferentes países africanos, a nível das academias mas também de outros espaços onde memória social e história se confrontam, e como nessa realidade interferem factores políticos, ideológicos, económicos e linguísticos. No caso das antigas colónias portuguesas, que celebram em breve 50 anos de independência, há factores adicionais, como o fim mais tardio do domínio colonial e o atraso da historiografia sobre África que se verificou até décadas recentes, tanto em Portugal quanto no Brasil. Apesar dos progressos actuais, a maior parte da bibliografia fundamental para o estudo da história do mundo, e do continente africano em particular, não está disponível em língua portuguesa.

Este número especial da Práticas da História está interessado em receber contributos, referentes a contextos africanos coloniais e pós-coloniais, que explorem, questionem e/ou reflictam sobre aspectos como:

- A (im)possibilidade de autonomia epistemológica das Universidades africanas: debates e preocupações em torno dos Cursos, Currículos e Programas de História.

- A relação entre o discurso histórico validado por instituições científicas e outras formas de memória social e colectiva, geralmente ignoradas nas instituições de ensino, apesar da sua importância social.

- O modo como memória, História e as políticas contemporâneas dos Estados nacionais africanos se cruzam nos espaços de debate e de produção de conhecimento, no continente e fora dele.

- A penetração e o impacto na historiografia das humanidades digitais - e as possibilidades e dificuldades, no contexto africano, de articulação do ensino da História com o mundo da informação digital.

- O lugar e contributo da historiografia e do ensino da História na construção da memória em África, considerando a relação múltipla entre as construções dos discursos historiográficos, dos espaços públicos e da esfera pública.

- As políticas de construção de arquivos, bibliotecas públicas e outras infra-estruturas, bem como de constituição, divulgação e acesso de fundos e colecções, condição de democraticidade dos processos de construção de memórias públicas.

- As relações entre historiografia africana e historiografia africanista - redes, internacionalismo, questões de poder, mercados editoriais e seus impactos.

- A construção e ensino de "histórias nacionais" face ao risco de interpretações teleológicas e anacrónicas, projectando no passado as fronteiras actuais.

- A utilização do passado (conhecido, imaginado, manipulado) por diferentes actores sociais (partidos políticos, sindicatos, igrejas, grupos e movimentos sociais, indivíduos e colectivos de cidadãos ou outros) como lugar de confrontação, contradição e legitimação.

 

As propostas (máximo 500 palavras) devem ser enviadas até 31 de Julho para praticashistoria@gmail.com, acompanhadas de uma pequena nota biográfica do(s) autor(es). A sua aceitação ou recusa será comunicada até 10 de Setembro. Os artigos das propostas aceites devem ser submetidos até 15 de Dezembro. São aceites contributos em Português, Inglês, Espanhol e Francês.